Invisíveis cantos.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O terceiro Nome


Quando Alana e Osíris me olham não posso queixar-me da menor
dissimulação, da menor duplicidade. Olham-me de frente, Alana sua luz
azul e Osíris seu raio verde. Também entre eles olham-se assim, Alana
acariciando o lombo negro de Osíris, que levanta o focinho do prato de
leite e mia satisfeito, mulher e gato conhecendo-se desde planos que
me escapam, que minhas carícias não conseguem ultrapassar. Faz tempo
que renunciei a qualquer domínio sobre Osíris, somos bons amigos a
partir de uma distância infranqueável; mas Alana é minha mulher e a
distância entre nós é outra, algo que ela parece não sentir mas que se
interpõe em minha felicidade quando Alana me olha, quando me olha de
frente que nem Osíris e me sorri ou me fala sem a menor reserva,
entregando-se em cada gesto e cada coisa como entrega-se no amor, ali
onde todo seu corpo é como seus olhos, uma entrega absoluta, uma
reciprocidade ininterrompida.

Orientácion de los Gatos, Júlio Cortázar







Essa é uma declaração de amor aos gatos. Se suporta sustentar a troca
de olhares com um felino, leia-me. Tenho uma forte atração pela mudez,
por tudo que não se diz, pelo imenso esforço da voz. Pelo
enigma, ex finge. Por isso vou falar de gatos. Quem me impulsionou ao
vital foi um poema de T.S.Eliot em The Naming of Cats. Tanto quanto
possa ser implícito um nome em três. Um gato sempre tem três nomes. O
primeiro nome é aquele que é dado como regra, protocolar. 'Andrei
Álvarus', 'Amadeo Modigliani', Jeanne Hebutèrne', 'Solidão' à 'Gata
Rosana de Calcutá'. É o nome do ofício em pompa e circunstância, da
ânsia humana tão bonita quanto tola.O segundo nome já é o que vem
antes do primeiro, é o de fato. Neologismos, metalinguagem, metáforas
afora que docilizam o léxico requintado do primeiro. É o nome bobo,
portanto o que vem do coração. 'Chinim', 'Titinho', 'Chiquinha' e
'Zóinho'. Todos infalíveis e retornáveis ao plasma do nome, àquele que
vem das veias. No entanto o terceiro nome, ah. O terceiro. Agora que
entro no sagrado, peço perdão. O que vai ser dito e transposto em
escrita é o desespero de um nome ocupando muito mais intervalos do que
um olhar felino. Aquele, o que não se sustenta. É nesse momento que
lambo meu pêlo como um gato que acabou de brincar um rato. O que
devora o terceiro nome? Arrepio-me toda.
“… ninguém jamais imaginaria
O nome que ninguém consegue descobrir
Que só o gato sabe, e a ninguém confessa.
Quando o vires em meditação absorta
A razão, eu te digo, é sempre essa
Sua mente está entregue ao profundo
deleite de saber que é único no mundo.
E ele pensa, e pensa, e pensa em seu nome
Seu afável, inefável e inenefável
insondável, profundo, singular e puro Nome.”



O próprio Nome, o final, aquele que não se descreve.
Então animalizo-me, para tentar, afã
Penso o lombo, tomo posse
Espinha, dorso, arqueia-me
Das entregas
A mulher e o gato
E o que faço por instinto não se pode dizer.




[Com dedicatória para Rosana, a gata-saci que vive pelos meus cantos].








O poema na íntegra enquanto junto pedaços meus:

The Naming of Cats, da autoria de T.S.Eliot.

The Naming of Cats is a difficult matter,
It isn’t just one of your holiday games;
You may think at first I’m as mad as a hatter
When I tell you, a cat must have THREE DIFFERENT NAMES.
First of all, there’s the name that the family use daily,
Such as Peter, Augustus, Alonzo or James,
Such as Victor or Jonathan, or George or Bill Bailey -
All of them sensible everyday names.
There are fancier names if you think they sound sweeter,
Some for the gentlemen, some for the dames:
Such as Plato, Admetus, Electra, Demeter -
But all of them sensible everyday names.
But I tell you, a cat needs a name that’s particular,
A name that’s peculiar, and more dignified,
Else how can he keep up his tail perpendicular,
Or spread out his whiskers, or cherish his pride?
Of names of this kind, I can give you a quorum,
Such as Munkustrap, Quaxo, or Coricopat,
Such as Bombalurina, or else Jellylorum -
Names that never belong to more than one cat.
But above and beyond there’s still one name left over,
And that is the name that you never will guess;
The name that no human research can discover -
But THE CAT HIMSELF KNOWS, and will never confess.
When you notice a cat in profound meditation,
The reason, I tell you, is always the same:
His mind is engaged in a rapt contemplation
Of the thought, of the thought, of the thought of his name:
His ineffable effable
Effanineffable
Deep and inscrutable singular Name .

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Ao te alcançar



Vejo em tua pele um poema
De palavras únicas de mulheres nuas
Suas

Percebo o tráfego e as garras
Das vontades e versos
Gana de entender um a um

E pronunciar as tuas sílabas

Três alfabetos perdi, um filete
De sangue
Tantos poemas em ti

Que para esquecer amo outros
E entrego-te calma, num sopro do vento
Todos os meus oleandros à noite


Porque tu sabes, Páris, que é de poesia o meu açoite.

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O desconexo me elucida. Sinto um prazer de sábado quando sinto o aroma da loucura. Sei que não é fácil. Sei. Às vezes eu queria não saber e ter a benção da lucidez. No entanto eis-me aqui, forjada, leoa, musa de fogo. Ouro, olhar, branco, bracelete, unha vermelha.