Invisíveis cantos.

terça-feira, 27 de abril de 2010

A Proteção Pungente

 



Ela não podia olhar para seu pai quando ele tinha uma alegria. Porque ele, o forte e amargo, ficava nessas horas todo inocente. E tão desarmado. Oh, Deus, ele esquecia que era mortal. E obrigava ela, uma criança, a arcar com o peso da responsabilidade de saber que os nossos prazeres mais ingênuos e mais animais também morrem. Nesses instantes em que ele esquecia que ia morrer, ele a tornava a Pietà, a mãe do homem.


Clarice Minha Flor-de-Lispector

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Lápis Lazúli

Jorge Castillo



Sílica em cálcio, ossos
Extremum só e aluminium
Zinco cobalta-me de enxofre
De todos os seus azuis cobri

Lapidando intuições

Envolta de azul-real, grande mar
Parcialmente em inclusões
Douradas e castigadas
Opacas, até a cintura

Confundindo escavações

Busco-te céu azul-escuro
Escuro escuro escuro
Gregos, romanos e índigos
Vastíssimo blue, de partidas

Abrindo lentos portões

Pedra bruta, lapidada
Esfera, ovo, pingente
Obelisco, pirâmide, cordão
Tu és Vênus

Argamassa-me em pó, Azul.

Faz de conta

Acenda num jardim um incenso de canela,
escolha uma flor e, segurando sempre o incenso, faça
com que as cinzas caiam formando um círculo em volta
da flor escolhida.






Era uma vez uma princesinha dourada e triste. Certo dia, a douradinha,
resolveu deixar o castillo de alusiones e sair pela floresta. Se
setembro chegar no meio do caminho colho uma flor, pensou ela. Terra
pisando vento. Nos cabelos trazia pétalas que tinham sido tecidas
pelas suas próprias mãozinhas finas toda vez que chorava, lágrima por
lágrima. Tocava estrelas fiando de ouro todas as sensações que a noite
trazia na sua roca escura. Meu amor, o mundo é assim. O destino quer
se cumprir. Ela andava, pezinhos descalços. Com todo cuidado, meu
amor. Ela carregava um cesto de pérolas.
Na floresta os sons possuiam uma equidão diferente, seus ouvidinhos
buscavam aflitos como brotos a tessitura do evolar dos cantos mágicos.
Magia de elfos, faunos, ninfas e sátiros brincando Dionísio.

- Dance!

Ela obedeceu. Não porque quisesse mas também pela urgência de tocar,
aquele som. Homem-bode em flauta, o que está sentado à esquerda. O
fauno meu, enfim um rei do Lácio. Não mais parou de rodar.

-Dance!

Ela sorria em seu vestido de luz espectral sorvida luz da manhã.
Diritambos em Teu nome. Tudo o que canta é sagrado, meu amor. Só um
fauna toca versos proféticos pois tem a idade do ouro. A princesinha
brincou os sons mágicos e seguiu, ainda era cedo demais para morrer,
disse, beijando delicademente um outro sapo, dos muitos que lhe
choraram. O caminho era úmido tal qual húmus encharcado. Sentiu riacho
e um cheiro de lírios de cachoeira. A margem do rio lhe chamava os
passos, da terceira para a foz. E amando uma pedra, arrepiou como flor
soerguida no corpo, estava uma fada. Elas se viram. Princesa e fada,
amando-se. De súbito como imã. Pedra, cascalho, cascos, jaboti. Porque
primeiro é o duro da força, meu amor. E a princesinha quis beijá-la.
E a história se entrelaça aqui, nesse ponto exato do beijo.


 Faz de conta que tudo que ela tinha não era de faz de conta.

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O desconexo me elucida. Sinto um prazer de sábado quando sinto o aroma da loucura. Sei que não é fácil. Sei. Às vezes eu queria não saber e ter a benção da lucidez. No entanto eis-me aqui, forjada, leoa, musa de fogo. Ouro, olhar, branco, bracelete, unha vermelha.