Decantares da Sagrada Chama

Invisíveis cantos.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Eclipse e dia vinte e oito de setembro




 Fiz tudo buscando a melhor maneira de se manter e facilitar a conexão. No final de semana fui ter com meus filhos em Bauru, para comungar nosso clã e passar informações maternas sobre o equinócio especial. Voltei no domingo para a Demétria e fui para uma fogueira na casa de uma irmã xamã. Fizemos o nosso melhor, cantamos, meditamos, cachimbamos à luz da Lua. Voltei pra casa antes dos ventos se iniciarem, bem calma e em estado de gratidão, estava conseguindo. Minha filha havia ido à lagoa com amigos viverem o eclipse. Deitei em meu sofá para esperá-la e adormeci. Acordei com um forte estrondo, janelas batendo e na escuridão. Meu coração saltou e eu pensei 'minha filha!', chamei por ela e ela não havia chegado. Peguei o carro e sai embaixo de tempestade atrás dela na mata escura, ela estava a pé com nosso cachorra. O vento era tanto que derrubava árvore. Tudo muito escuro. Raios azuis esverdeados no céu. Tive muito medo. Muito frio. Fui até a lagoa e não a encontrei, depois de procurar, procurar, procurar e não encontrar, voltei pra casa, e ela estava encharcada me esperando. Aí foi que aconteceu, fui tomada por sete demônios. Gritei com ela, fiquei muito, muito brava, vociferei, decretei. As profundezas subiram à tona. O inconsciente, a sombra. Fui dormir perdida, completamente à deriva de mim. Sem nenhum controle que o canto, a meditação e o cachimbo pudessem sustentar. Estava em alto mar com toda a minha profundeza sobre o peito e eu a vi. Foi assim que tudo se deu.
 Era essa a força desse eclipse. Trazer à tona a nossa escuridão, o nosso inconsciente, o nosso mar profundo. É para se ter a Visão. Lua das Sereias, das Marés, do Oceano de onde a vida começou. E é para lá que se retorna. Recomeço, renascimento. 

Gratidão à minha mestra na Terra, minha filha Isabela. 

Fabiana

domingo, 19 de outubro de 2014

Desvendar

Quando eu morava no cimento
andava sem perceber os passos
com a sensação certeira e púgil
de que precisava correr e fugir

Quando eu pertencia ao concreto
em meu peito apertado (sem espaço)
vivia um pássaro acorrentado
e protegido por airbags importados

Só entendia o que vinha dentro de caixas
hermeticamente embaladas por mãos escravizadas

Quando eu bebia na cidade
os vinhos mais encorpados e secos
da minha boca escorriam sonhos
dentro de uma sede infinita e atéia

Quando eu dormia dentro da parede
acampava dentro da matrix escura
sem estrelas cadentes, nem naves estelares
caminhar atávico e frio, cadeados

Só dormia por dormir
para derreter a gordura da carne e das entranhas

Quando cheguei o sol ardia os olhos
mas não impediu que  eu enxergasse
a minha sombra que me batia à porta da vida
de uma maneira irreversível

Só assim no meio das árvores
compreendi o mais iluminado dos meus dias
em uma espécie de dança nativa
muito antes do muro de Berlin ter escorregado no som do tambor


Que só vivo para esperar a lua aparecer cheia no céu do peito
divinizando o esquecido do corpo.
( ainda há tempo de respirar)



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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Ori/entes

Para atravessar comigo o deserto do mundo tenho as pérolas mais lindas.
Que me adornam, que me norteiam, que me transmutam.
Por vocês deixo meu reino e minhas noites de silêncio
pérolas esféricas são meu Oriente.
Cá fora fico nua
mas teus gestos me vestem.


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À minha espera





Penso-te nem mulher
nem carne
uma breve folha
em branco
Para descansar meus versos
feitos a fogo e espinhos

E só assim entendo a roseira.

domingo, 17 de agosto de 2014

Escorrer

Tenho muito mais que areia no estômago, esta rocha. Tenho cachoeira no cérebro e um lirio no peito. No olho carrego um oleandro. No meu coração não há bem mais que uma encosta de montanha e na mente há luz. Em minha garganta, um pássaro. Moro em uma casa de águas.


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Catedral

Eu queria ser um fio do bigode da Frida
uma nota do minueto em g do Bach
a perplexidade do espanto
a teia da aranha
a língua do sapo
a margem do rio
o gene filete de sangue que separa o macaco do homem
a dor no bico dos seios rachados e mesmo assim oferecidos



O fracasso da linguagem, o silêncio
o fio da navalha
o olhar do mendigo
eu queria ser um texto clareciano, a caverna de Platão
um filho que não nasceu
o ovo e também a galinha
uma figura hieroglífica, a esfinge, a serpente.



Só quando não tenho construção eu me aproximo do que sou.



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sábado, 9 de agosto de 2014

Ode ao plasma de meu pai, em 2014








Como já contei, eu descaradamente fingia que dormia no carro só para ele me pegar no colo e me colocar na cama, me ajeitar, me aquecer na coberta cheirosa. Mas no fundo das almas das coisas todas, eu não havia contado é que era para muito mais que isso que eu fingia dormir e ser carregada. Era para sentir o batimento cardíaco do meu pai bem perto do ouvido. E eu vou tentar explicar o que é o batimento cardíaco de um pai para uma filha como eu. O som das batidas do coração do meu pai sempre foram muito importantes para mim, sons vitais que eu precisava ouvir todos os dias. Era nesse instante desse som, que eu pedia infantilmente a Deus, ' não deixe parar, não deixe', era o meu mais repetido insistente forte pedido de reza de criança, esse, pelas batidas do coração do meu pai, para que não parassem nunca de bater.

Cada 'tum-tum-tum' da corrente sanguínea, plasma vivo de comunicação entre mim e ele, que eu ouvia em essência, me dizia em uma liberdade de expressão que escapula a palavra. O que esse batimento me dizia tanto e eu ouvia, era presença, proteção e força, era coragem, era 'o que importa, filha, é quem lembra de você e te dá um presente e não o presente', era o 'o homem bom não sobrecarrega o outro', era beijo arranhado de barba, era nadar na piscina comigo, 'cuida sempre da tua irmã', 'vai ver tua vó, beija teus tios', ' isso não é nada vai passar, levanta!', era a solução de todos os meus problemas, era o amor pela minha mãe, era o riso solto com piadas bobas entre amigos, o 'olha como o mundo é lindo', era chão, teto, pão, comida, era fio, fonte, alma, porta aberta ao sonho, condutor, guia, era Cura. E assim do cálice do coração de meu pai que eu recebia exatamente o que precisava para que eu me tornasse o que sou. E pequena eu rezava, rezava... todos os dias. Com o acordar, não o do sono mas o da vida, pude entender hoje que essas batidas nunca cessarão, não têm fim, e o meu temor que elas parem é desnecessário porque batem em outra dimensão, naquela em que reside o Amor. E Este é o Eterno. 'Ah, não me castigue mais na escuridão da infância, Senhor, me deixe ver, me deixe ver! Que o Eterno é a nossa maior verdade'. 

Mas por tudo isso eu rezava e diz a lenda que reza de criança é canto de anjo agradecendo a presença de Deus na Terra.




Pai, teu coração bate dentro do meu peito. E os meus filhos ouvirão.


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O desconexo me elucida. Sinto um prazer de sábado quando sinto o aroma da loucura. Sei que não é fácil. Sei. Às vezes eu queria não saber e ter a benção da lucidez. No entanto eis-me aqui, forjada, leoa, musa de fogo. Ouro, olhar, branco, bracelete, unha vermelha.