Invisíveis cantos.

domingo, 30 de outubro de 2011

Cabe o meu amor



Na escravinha do quarto, depois da cama e seu colchão de molas, tem uma gaveta. Sobre ela tem um abajour que lembra o boulevard iluminado numa noite qualquer de Paris. Talvez seja a luz que me leve pra lá.  ''Saiu o sol essa tarde em Paris beijos saudades '', mas nem sempre as nuvens me deixam ver de novo, respondo. O que importa é que há uma gaveta.
Sentada na escravinha eu escrevo cartas imaginárias.
Esse silêncio, esse silêncio.
Faço uma oração que não termina.
( P.S.: tem um espaço de sobra que fica ao fundo)
Desenho uma onda na praia, tem uns vinte anos que desenho a mesma onda. Rosana insiste em postar músicas que dizem alguma coisa, ela gosta de ouvir infinitamente.
Desenho um coração regardant ces peintures, croient y voir des batailles


Pronto.
Não há nada mais para guardar.
Coração põe na gaveta. Coração põe na gaveta. Põe na gaveta.

Dos amigos

Para Juliano








O mundo é um moinho para os poetas tristes.
Para os amigos,
o mundo
é
um
cata-vento.

Sobre os irmãos

Para a minha irmã Luciana








Não é que o mundo seja só difícil e triste. Mas para enfrentar a vida é preciso respaldo. O mundo não te aceita como você é, não te acolhe como deve ser e nem te recebe quando você não está bem.
Só os irmãos o fazem.


Um irmão carrega no peito a infância do outro.





terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sai[ai]a longa















Cubra-me até os pés
porque minha alma
anda nua demais por aí.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

ChAMA



tua voz é um corte
profundo
no meu ouvido tento resmungo
mas só
tenho
ocê
dentro
mim
eu te clAMO
necessidade navalha
da pALMA da minha mão

Não cairás

por que cair
          em tentação
é ainda melhor
          do que cair várias vezes
dentro do mesmo erro.

domingo, 24 de abril de 2011

Domando a caneta a nova



Fernanda, gracinha, Meirelles

Poem

A poesia não é uma expressão do ser do poeta. É uma expressão do não-ser do poeta. O que escrevo não é o que tenho; é o que me falta. Escrevo porque tenho sede e não tenho água. Sou pote. A poesia é água.

.Rubem Alves

sábado, 23 de abril de 2011

Premier amour




Um jovem elegante na Paris da Belle Epoque, com seus dezessete anos, entra no salão dourado do Amor. Ele, um artista, queria logo era reinventar a cor. Sozinho em vão procurando por prazer. De que afrescos é o ventre da moça escolhida? Ele, o menino, queria logo era deitar. Tinha um terno alinhado com mangas vazias de cartas, nenhum truque. Ele, o arauto, queria logo era a aclamação real. E logo, uma linda jovenzinha de branco deixa cair sua luva. Ele, o sinal, queria logo era pegar. Oito botões forrados, branca e perfumada, luva de pelica fina. Ele, o perfumista, queria logo era sentir. Pobre menino-homem que de tanto querer logo, sentiu tanto.



Eu estou sempre contigo, mon cher enfant.

.

domingo, 13 de março de 2011

Flor

Brutal é decepção. É como você estivesse andando no meio fio e, do nada e em segundos, um caminhão te atropela. Leva tudo: sorriso, carteira de identidade e alma. Essa semana que se passou foi pesada, notícias tristes que me pisaram a voz. Tsc...vezenquando a gente some do mapa mesmo, nem satélite acha.
Vento
nave
moinho
ovo de passarinho
Ai que mania que tenho de brotar sempre, já nasci de novo semente. E pelo asfalto quente, uma flor na mente. Nenhum caminhão bruto consegue impedir o broto.



sábado, 12 de março de 2011

Deleites de avassalamentos


Beijo palavra que voa



desejo de dar asas à minha boca.









Beijo bom é aquele que vem à boca a lembrança
de néctar e sangue, cereja e faca.
É como se Deus colocasse paradoxalmente uma possibilidade de amor.
A cabeça fica confusa e a língua tem certeza.
E por um bom tempo depois,

a boca não tem fome.



terça-feira, 1 de março de 2011

Gaveta aberta



Meu baú está cheio.
Já me deram palavras de todos os tipos.
Mas a que eu mais gostei foi:
- sonho -
Porque sonho não tem ponto final.

Anáfora









Olhou ao redor. Devagar, ela conseguiu inclinar a cabeça em posição de prece. Não conseguia orar mas Deus entendia o que o ângulo, que a fronte caia, queria dizer. O Amor estava à sua volta, daquela forma violenta. Ele estava. Nem havia tempo para estudar os detalhes. Ela era virginiana e, portanto os detalhes são cruciais. Sem ter o domínio deles ela ficava enfurecida. Como o Amor podia chegar assim, sem ao menos um aviso antes? Ela tinha raiva do amor por isso. Levantou-se e vestiu-se num susto. O dia ardia. - não tenho tempo para amar tão doce assim - pensou com pressa. Todas as manhãs ela preparava o mesmo café forte e colocava à mesa o mesmo pão de ontem. Muito difícil desfazer dessas migalhas - mastigou uma terça passada. Ela sentia que o Amor a amava mas não conseguia corresponder à altura. E isso era raiva, ' eu não posso ainda'. Na testa se formava um vínculo forte entre as sobrancelhas mostrando que 'luxo' era uma palavra essencial. Por que aquela vontade de chorar se os pregos estavam apertando a madeira de maneira firme? Se as flores estavam molhadas e as contas estavam pagas? ela entendia a resposta, só não aceitava tão bem. Era só deixar acontecer, porque acontecia mesmo ela dizendo ainda não aguentar. ' Não, não isso', suspirou como fêmea. Procurava um poema da Adélia quando a garganta fechava. Tinha dias de Hilda, outros de Ana, mas quando estava apertada em pranto era Adélia que a salvava com seu temor a Deus. Outra vez Deus. Percebeu que estava perto. Então era isso. Deus perto. A aproximação do céu encharca.
Caiu em nuvens.
E choveu.





Ás seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.
Agora
às seis da tarde
as mulheres regressam do trabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução.
 
 
.Marina Colasanti

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O desconexo me elucida. Sinto um prazer de sábado quando sinto o aroma da loucura. Sei que não é fácil. Sei. Às vezes eu queria não saber e ter a benção da lucidez. No entanto eis-me aqui, forjada, leoa, musa de fogo. Ouro, olhar, branco, bracelete, unha vermelha.